sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Mais um luto...

Sinto que te perdi outra vez.
Na verdade, ao longo desses dois anos e sete meses, sinto que te perco todos os dias mais um bocado. Mas ontem perdi grande parte de ti, e sinto que somei um luto aquele que eu já tinha.
Hoje é um sábado dia 5, tal como foi naquele Abril de 2014 quando nasceste. Há dois anos e sete meses atrás o teu corpo repousou para sempre.
Eu sempre acalentei a esperança de um dia poder ver o teu rosto. Sempre achei que no hospital teriam guardado alguma coisa de ti, para quando eu me sentisse preparada pudesse recuperar ao menos esse pedaço teu... Não foi assim.
Ontem me vi confrontada com a realidade, eu não vou conhecer-te. Não aqui, nesta terra...
Como é que é possível uma mãe não conhecer o seu filho?! Eu sabia os teus padrões, qual era o período em que estavas a dormir e quando estavas acordada. Eu sabia que gostavas que eu dormisse com a barriga encostada nas costas do teu pai. Eu sabia que eras uma grande fã de músicas com ritmo, o que fosse demasiado lento não puxava por ti. Eu sabia que se um dos nossos gatos se encostassem na barriga tu reagias de imediato. Eu sabia que reconhecias a voz do pai, da avó Neusa e do avô Augusto. Agora, como é possível eu saber tudo isso de ti e não te conhecer?!
Naquele dia 1, quando nasceste... O toque da tua pele vai ficar para sempre guardado na minha memória, quentinha e macia.
Tento lidar da melhor maneira com as decisões que tomei na altura, mas a verdade é que, se eu pudesse mudar apenas uma coisa...
Já disse que parece que eu te perdi outra vez? Todos os dias parece que perco mais um bocado de ti... E eu não me habituo a isso. Absorvo todos os dias um bocado do teu irmão, está cravado na minha alma, mas tu... Tu estás igualmente cravada, mas estou a perder as tuas evidências físicas, e não devia ser assim.

Amo-te muito minha Princesa...
Beijinho da mãe... Daqui até ao céu!.. ❤️

terça-feira, 1 de novembro de 2016

E porque agora já se fala disso de uma maneira aberta...

Quando o Francisco nasceu eu entrei em depressão. Não sei se foi pós parto, uma vez que, nessa altura, segundo o meu psiquiatra, apenas se manifestou a depressão. Na opinião dele eu já era deprimida antes mesmo de perder a Leonor.
Toda a gravidez da Leonor foi muito ocupada... Tínhamos que encontrar casa, a minha mãe havia sofrido um acidente, tinha que lidar com as sacanas das hormonas... Tudo passou muito rápido. E no final, ela partiu. Ela era o centro do meu mundo, eu preparei-me para ela, e de repente, tenho o meu colo vazio.
Descobri que eu já não existia sem a minha filha. Toda eu estava programada para ser mãe e, explicar para o nosso corpo, que passou por um processo de preparação durante nove meses para o papel que o aguardava, que afinal não temos um bebé é muito, muito complicado.
Mas naquela altura eu queria saber o que a tinha levado. Eu queria voltar a engravidar, o mais rápido possível, mas precisava saber o que tinha levado a minha menina, para saber contra o que lutar numa próxima gravidez.
Em Outubro do mesmo ano, engravidei. Essa gravidez não foi tão pacífica como a gravidez da Leonor, tive duas perdas de sangue, uma às 6 e outra às 9 semanas, acabando por descobrir que tinha um descolamento da placenta. Passei os 9 meses em casa. Completamente obcecada com a saúde do meu filho, tomei injeções diárias, medicamentos para tudo e mais alguma coisa. Eu garantia que o Francisco mexia-se pelo menos uma vez a cada uma hora, e se não houvesse vitalidade naquele movimento, eu chateava a pobre criança até que ele se mexesse como eu queria.
Resguardei-me muito, fugi literalmente das pessoas... Não queria que ninguém soubesse pois isso implicava que, se corresse novamente mal, eu teria que explicar o que aconteceu. De uma certa forma, eu me sentia diminuída enquanto mulher, como se não fosse capaz de cumprir o meu papel.
O parto foi induzido e às 37 semanas e 4 dias tive o meu pedacinho de arco-íris.
As duas primeiras noites foram para fugir. Eu chorava como não chorei quando a Leonor partiu. As enfermeiras foram todas extremamente simpáticas e deixaram o meu marido ficar comigo até bem depois de acabar a visita, mas quando ele ia embora, era um desespero para mim. O Francisco até era um bebé bastante simpático, só queria dormir, era um castigo para lhe fazer comer.
Quando vim para casa, julguei que tudo fosse melhorar... Errado. Em nenhum livro dizia que a mãe a seguir ao parto pode ficar num estado de quase loucura, porque nada ajuda... As hormonas, o cansaço, o não saber se estou a agir bem, a "pressão" que é olhar para eles e pensar:
"Bolas, este bebé é meu. Não o posso devolver, nem entregar para a mãe quando chorar... Dessa vez a mãe sou eu."
Nunca descuidei do meu filho. Sempre tive gosto em que ele estivesse bem tratado, mas esquecia de mim. Andei quase 4 meses sem dormir. Aos dois meses e meio o Francisco já dormia uma noite completa, mas eu continuava sem conseguir descansar. Ao mínimo suspiro dele eu estava acordada, tinha pavor que lhe acontecesse algo, a vida daquele filho não era negociável... Cheguei mesmo a dizer para Deus que, se me tirasse também esse, podia me levar junto, porque eu não estaria a fazer mais nada nesse mundo.
Para além da "pressão" de ser mãe, havia a morte da Leonor... Eu só abaixei as minhas armas 15 meses depois dela ter partido, só me permiti sofrer depois de já ter cumprido com o meu papel, trazer um filho vivo ao mundo.
A amamentação foi a primeira coisa a ser afetada. Para além do Francisco ser preguiçoso, eu tinha os meus complexos por ter a mama grande e não conseguia achar prazer na amamentação. Eu queria que de alguma forma ele não fosse completamente dependente de mim, eu precisava respirar sem ter que pensar no bem estar dele... Às vezes a dor da saudade da Leonor era tão grande que eu ponderava seriamente ir embora de casa e deixar o meu filho com o pai, sentia-me incapaz.
Depois de quatro meses sem dormir cheguei a um ponto de ruptura. Eu era apenas uma sombra minha, fazia tudo de maneira automática. A noite quando o meu marido e o Francisco dormiam, eu chorava. Chorava pela filha que tinha perdido e de quem eu tinha saudades excruciantes, mas acima de tudo, chorava pela mãe que o meu filho havia perdido, pela mulher que o meu marido havia perdido, pela filha que a minha mãe havia perdido... Decidi procurar ajuda.
A psicóloga era fantástica, mas a psiquiatra, nem por isso. Apesar de eu dizer sei lá quantas vezes que eu tinha que estar desperta para tomar conta do meu filho, ela deu-me medicamentos que me deixavam fora do ar... Entretanto, voltei a trabalhar e tive que procurar outro psiquiatra... E aí finalmente acertei.
As coisas estavam a melhorar, mas em Maio desse ano tive uma espécie de esgotamento. A minha memória estava e está afectada... Já esteve bem pior, mas ainda assim esqueço-me de imensas coisas e não tem sido de todo fácil, o meu marido e a minha mãe que o digam.
Entretanto, se há algo de bom nisso, é o facto de, finalmente o meu filho ter a mãe para ele. Desisti de ser mãe só da minha filha morta, hoje consigo ser mãe dos dois. Mais nada de mal toca na minha Leonor, mas o Francisco está cá e precisa de mim. Aliás, acho que vai precisar para sempre... Eu ainda preciso da minha mãe, com ele não irá ser diferente.
Eu tinha/ tenho muita coisa no meu passado, e o nascimento do meu filho foi só a gota que faltava para tudo vir ao de cima.
A depressão, seja ela pós parto ou não, nunca se trata de falta de amor pelos outros... Trata-se de falta de amor por si próprio. Ninguém pode nos comprar a paz de espírito... Eu pus nas mãos do meu filho algo que ele nunca poderia fazer por mim, que era "me curar" da partida da Leonor.
A pessoa que está deprimida não é fraca, está cansada de ser forte. A depressão é atraente, não haja dúvidas... É muito mais fácil desistir de tudo do que lutar para que as coisas melhorem... E atenção, nesse momento escrevo contra mim própria. Faz hoje 2 anos e 7 meses que a minha menina nasceu adormecida. Na semana passada comecei a sentir diferenças físicas em mim... As perdas de memória tornaram-se mais frequentes, tive dores no corpo, comecei a ficar ansiosa e depois veio a prostração. No domingo sentia-me fisicamente doente, não queria sair da cama, mas eu tenho um marido que tem sido uma bênção na minha vida. Da maneira dele, lá tirou-me de casa, e a verdade é que não foi assim tão mal ter saído.
É preciso ter força para não nos deixarmos cair novamente, mas nem sempre a encontramos...
Depois de ter passado pelo que passei, conheci um mundo onde toda gente olha torto quando dizes que estás a ser seguida por um psicólogo e por um psiquiatra. Toda gente olha torto quando dizes que estás a ser medicada. Toda gente, depois, também olha torto quando uma pessoa se passa e faz uma asneira grande... Mas as pessoas que olharam torto, alguma vez se preocuparam em párar e ouvir o que aquele indivíduo tinha para dizer, sem julgar? As pessoas não são todas iguais, cada um tem a sua maneira de reagir perante a uma diversidade... Cabe a nós, e porque também temos telhado de vidro, tentar compreender, sem julgar. Às vezes basta isso, ouvir. Não diminuir o problema. Não dizer que devíamos valorizar o que temos, porque, bolas! Estamos assim justamente pelo facto de nos sentirmos culpados por não sabermos ser gratos por aquilo que Deus nos dá, e nos focarmos tanto naquilo que perdemos.
Amo o Francisco quase de forma visceral. Sempre amei, mesmo quando eu achei que não... Só precisava me perdoar. Me encontrar. Só precisava de ajuda, e graças a Deus, tive.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Voluntariado

Não vi o vídeo. E não quero ver, porque vou ficar mais revoltada do que já estou.
Gostava que isso fosse encarado como uma carta aberta para esta menina, a Mia ou lá como se chama.
Sou uma mãe que perdeu uma filha, felizmente não com cancro. Digo felizmente porque só de pensar na hipótese de que a minha filha pode ter sofrido dentro de mim, me põe em agonia. Digo felizmente porque eu não sei o que é ver morrer um filho, aos poucos. Digo felizmente porque eu não sei o que é um médico dizer que não há mais nada a fazer. Digo felizmente porque a palavra desistir não está no vocabulário de uma mãe.
Por duas vezes estive para ser voluntária no IPO. Da segunda vez desisti porque ainda me sentia muito abalada com a perda da minha filha, estava tudo muito recente.
Não quis ir porque achei que não tinha nada para dar, porque queria ser um apoio para aquelas mães e pais, e da maneira como estava não ia conseguir.
Quis a vida que me cruzasse com mães que perderam os seus filhos com cancro, e tenho aprendido tanto com elas!
A maior parte do que eu sinto é semelhante ao que elas sentem, mas, como disse acima, não sei o que é ver morrer um filho. A minha dor é grande, mas não consigo dimensionar a dor dessas mães...
A vontade de ser voluntária reapareceu, estou a encher-me, para que possa dar.
O que eu mais quero é que um dia uma mãe me confie o seu filho, para que ela possa descansar, espairecer ou somente chorar, mas longe dos seus pequenos guerreiros.
Esta menina devia ser instruída a não falar daquilo que não sabe. Numa entrevista qualquer ela disse que não queria ser mãe, por razões que para ela são válidas. Eu respeito. Mas uma pessoa que diz que não quer ser mãe não sabe o que é a SER mãe.
Não sabe da nossa entrega total aos nossos filhos. Não sabe que nós passávamos por todo o mal do mundo para que nada lhes atingisse. Não sabe do que somos capazes pela vida dos nossos filhos. Não sabe o que é, todos os dias, aceitar a morte deles, porque já estavam a sofrer demasiado e foi o melhor, dentro de todo o prognóstico ruim, que podia lhes ter acontecido.
Não sei quando o fornecimento de nutrientes e oxigénio começou a ser ineficaz para a Leonor. Sei quando ela morreu. Sei o que acontece quando o cérebro é privado de oxigénio, por pouco tempo que seja. Sei que se ela tivesse sobrevivido, talvez não fosse uma criança saudável. E isso não, eu não queria que a minha filha sofresse. Que tenha eu saudades de cortar a respiração dela, mas que mais nada de mal lhe toque.
Essa menina devia ser instruída a não falar do que não sabe...

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

A melhor Avó do mundo...

Ao escrever este texto, pergunto-me como é possível ao longo destes 24 anos ainda não o ter feito... Parece tão óbvio!

Desde que me lembro de ser gente, existias na minha vida. Sei que tu e a minha mãe tiveram um "início de relação" que não foi pacífico, mas que tudo acabou por se resolver a bem quando eu nasci.
Sei o quanto me amaste. E o digo não é por todas as prendas que me davas e por me fazeres todas as vontades... Aliás, acho que isso só contribuiu para que eu tivesse um filha da mãe de um egozinho inflado até ao céu!
O digo porque ainda hoje, 24 anos depois de teres partido, ainda sinto o amor que tinhas por mim. Ficou marcado em mim de tal maneira que ao lembrar-me de ti, um sorriso gigante me assoma ao rosto, porque eras, és, simplesmente, a melhor avó do mundo...
Tenho pena que tenhas partido tão cedo... Ainda tínhamos tanto para viver! Tenho pena também por não me ter despedido de ti... E acho que esse facto ajuda a sensação que muitas vezes tenho em relação a ti; às vezes parece impossível teres partido... Como podes ter partido se continuas tão viva dentro da minha memória e das minhas lembranças? O mesmo se passa em relação à Nô... As duas partiram demasiado cedo. Deixaram-me sem perceber bem como se continua, como se ultrapassa duas perdas tão grandes... Por outro lado, se depois de morrermos existe mais alguma coisa do que aquilo que os meus sentidos alcançam, a minha Princesa é uma mimada pela bisavó, disso eu tenho certeza! ❤️
Tenho pena que os meus irmãos e o meu primo não te tenham conhecido... Eras amor em forma de pessoa. O teu abraço... Ainda hoje, se fechar os olhos, consigo sentir a tua pele de avó, o teu cheiro, aquele sinal que tinhas no rosto... Caramba, como é possível terem passado 24 anos?!?!
Espero que o meu Francisco ame tanto as avós dele como eu amo-te, que elas sejam o aconchego que sempre foste para mim...

Obrigada pelos 9 anos maravilhosos contigo... Queria mais, muito mais...

Amo-te tanto... Tenho tantas saudades...

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Quando a nossa cama é tomada de assalto

Já não lembro começou.
Sei que sempre gostei de adormecê-lo nos meus braços, foi sempre o "nosso" momento.
Um dia, dei-me conta de que ele ficava ali a noite toda. O tempo passou, e ele continuou na minha cama.
Habituei-me. Ao som da respiração. Ao calor do corpo. Ao acordar com ele aconchegado a mim.
Sei que ele já deveria estar no seu próprio quarto... Só que quem não consegue deixá-lo ir sou eu.
E se ele tiver medo? E se tiver frio? E se chorar e eu não ouvir? Tem estado sempre comigo e com o pai, é tão pequeno, porque tenho que pô-lo sozinho?
Ele está a crescer tão rápido... Vai chegar a altura em que vai querer o seu próprio espaço.
E eu estou disposta a dá-lo, também porque nessa altura, pelo menos aos meus olhos, já não vai ser nem tão pequeno, nem tão indefeso.
Ontem me apercebi que mais alguém chegou para dormir connosco... E quer saber?! Que se lixe! A cama é grande, eu e o pai não nos importamos... Cabe sempre mais um 💙

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Qualquer coisa entre fugir, estar presente, chorar e levantar...

Fugi.

Desde aquele dia 31/03/2014, aprendi a fugir. Encontrei um recanto na minha mente onde a minha filha não havia partido, onde vivíamos só eu, o pai e ela. 
Fugi no dia em que ela nasceu, não estava naquela sala de partos. Fugi para o meu mundo perfeito, onde nós éramos felizes, onde eu e o pai estávamos eufóricos pelo nascimento da nossa Maria Leonor. 
Voltei, quando o corpo dela tocou por breves instantes o meu. Aí senti dores físicas. Aí pedi desculpas ao pai por não ter trazido a nossa filha com vida ao mundo. Pedi perdão a mim mesma por ter arruinado a vida da nossa família mais próxima, porque eu havia sido incapaz de cuidar dela como era suposto.

Fui apresentada a um grupo, dois meses depois da partida da Leonor. 
No tal grupo todas tinham passado pelo mesmo que eu, e vi que os sentimentos eram iguais. Senti reconhecimento e aceitação da minha dor por parte delas.

Continuei a fugir. 
Desta vez, para um mundo onde a minha filha havia partido, mas onde eu já havia superado tudo, tinha feito o meu luto e seguido em frente na minha demanda de ser mãe novamente. 
Fugi, até o dia em que nasceu o meu segundo filho...

Estive presente.

Estive presente no parto dele.
Estive presente quando ele chorou e veio directo para o meu seio ser amamentado. 
Estive presente quando o cordão parou de pulsar e o pai o cortou. 
Estive presente quando o levaram de mim para limpa-lo e eu fiquei sozinha naquele corredor.
Estive presente quando mo trouxeram novamente e ele voltou a agarrar no meu seio com toda força que tinha. 
Estive presente quando nos levaram para cima, a mim e ao pacotinho. 


Não chorei. Em nenhum momento chorei. Estava a tentar absorver tudo aquilo que não vivi no parto da minha filha, não tinha tempo para chorar. 


Estive presente quando o pai apareceu com as nossas malas.

Chorei.

Aí, chorei. Não chorei pelo meu filho... 
Chorei pela morte da minha menina. Pelo choro que não ouvi. Pela noite passada sozinha a seguir ao parto. Chorei pelo dia seguinte, quando acordei novamente sozinha, e fui confrontada uma vez mais com a realidade. Chorei pelo momento em que a minha mãe e uma grande amiga apareceram para falar do funeral da minha filha e que a tinham visto na morgue. 
Chorei porque eu não tive coragem para a ver, porque sabia que se o fizesse, teriam que me por a dormir para que a levassem de mim. 
Chorei naquela noite, saí do hospital a sentir-me a pior mãe do mundo, porque deixei lá a minha menina.
Porque o meu colo estava vazio. 
Porque a minha barriga estava vazia. 
Porque o meu coração estava vazio. 
Chorei quando cheguei em casa e o quarto da Nô estava uma barafunda; berço, malas, roupas... Tudo ali, escondido, para que eu não sofresse mais... Como se tal fosse possível. 
Chorei pelo momento em que separei aquela que seria a sua primeira roupa e o primeiro brinquedo que eu e o pai comprámos para ir com ela. 


Chorei porque tinha medo de estar sozinha no hospital com o meu filho, queria o pai connosco.

Continuei a estar presente, quando finalmente fomos para casa. 
Estive presente, quando entrei com o Francisco nos braços e fiz aquilo que não pude fazer com a Leonor... Mostrei-lhe a casa, a aninhei-me à ele na minha cama.
Estive presente, quando as coisas começaram a correr menos bem. Sentia-me cada vez mais afastada de tudo e de todos. Queria que me dessem espaço para chorar, mas não podia... O Francisco dependia de mim. 
Eu só queria estar sozinha um bocado, fingi não dar conta, mas sabia o que estava a acontecer; era o luto que eu não fiz pela Leonor que havia chegado.
Estive presente, quando comecei a ter problemas com a amamentação... Não conseguia. Simplesmente não conseguia.

Estive presente quando me arrependi. 
Me arrependi por não a ter visto, por não ter me despedido, por ter permitido que tivesse sido cremada, e não enterrada ao pé dos bisavós. Compreendi o quanto me faz falta um sítio físico onde pudesse chorar e estar "ao pé" da minha menina. Sabia perfeitamente que ela não estava lá, mas iria saber onde havia repousado o seu corpo e dali ninguém o tirava.

Estive presente quando decidi procurar ajuda. 
A culpa havia tomado conta de mim. Culpava-me pela morte da Leonor. Culpava-me por não a ter protegido, culpava-me por não estar totalmente presente para o Francisco. Culpava-me por naquela altura ele preferir ao pai do que a mim.

Estive presente quando voltei a trabalhar. 
Há tanto tempo que estava em casa, já não aguentava. Acordar cedo, conviver com outras pessoas... Sentia falta disso.

Estive presente quando a memória começou a falhar. 
Esquecia do que me diziam, não recordava procedimentos básicos, passava vários minutos a olhar para o ecrã do computador a pensar no que eu deveria fazer. 
Falei com a minha superior e disse que precisava de um tempo. Não estava em mim. Estava presente, mas não estava em mim.

Estive presente no primeiro aniversário do Francisco.
Foi um dia bonito, recebi meus amigos e família para celebrar a vida do meu menino.
Estive presente, quando conheci a família do meu marido que vinha de longe, fiquei verdadeiramente feliz por os conhecer, por conhecer uma prima em especial. Ela é filha da tia Maria Leonor, que também já partiu. A minha Maria Leonor tem esse nome porque é o nome da tia (e madrinha do pai).
Estive presente, quando começaram a reparar num anjo cor de rosa em cima de mesa... A minha filha estava representada por aquele anjo. A maior parte não percebeu. A outra parte percebeu, mas não fez comentários. Uma única pessoa percebeu e não escondeu o contentamento. Essa é uma das razões que me levam a gostar dela.

Fiquei exausta.

Fiquei exausta com o aniversário do Francisco, emocionalmente exausta. Queria dormir. Sempre me apeteceu dormir... Mas não deixavam. Não podia. Tinha o Francisco para tomar conta, o pai tinha que ir trabalhar.

Comecei a cair, desci até o fundo.

Comecei a cair e estive sempre presente, sabia o que estava a acontecer. 
Me deixei levar, não tinha forças, não queria ter forças. 
Quis morrer. Quantas vezes quis morrer para que aquela dor acabasse, estava farta de sofrer. 
Senti-me culpada por não pensar no Francisco. 
Ele também precisava da mãe, mais do que a irmã. 
Mas não havia maneira... Eu estava a cair. E não conseguia párar, não tinha onde me agarrar.

Me afastei.

Me afastei porque a minha mãe pediu. Me afastei porque uma das minhas melhores amigas pediu. Pediram que eu me afastasse, por agora, do grupo que tanto me tinha ajudado, pois eu não tinha forças nem para ajudar a mim, quanto mais a outras mães. 
A minha amiga me fez reconhecer que, neste momento, eu sou uma mãe em pé de igualdade com outras. O meu filho está bem e recomenda-se. É um rapagão super alegre e bem disposto, não tem grandes problemas. Neste momento eu sou a mãe de uma criança normal, que está a passar pelas fases conforme o expectável. Neste momento eu sou mãe de uma criança viva. 
Compreendi com isso que durante estes dois anos e meio, fui mãe somente de uma criança morta. 
Sou mãe dos dois. E segundo precisa mais de mim. O pai precisa que eu esteja bem. A minha mãe precisa que eu esteja bem. 
Aquela minha amiga também precisa que eu esteja bem. 
Então, me afastei. Com alguma dor no coração, porque a dor delas é também minha e isso era justamente o que não poderia acontecer. A minha dor já é demasiado grande para ainda levar a dor delas, pelo menos para já... A minha amiga disse que eu agora só conseguia ajudar uma, mas se estivesse bem, conseguiria ajudar uma mão cheia delas e a ideia me agradou. 
Quando a Leonor morreu, eu senti que algo muito bom e muito grande estava para acontecer. Contradizia toda a situação que vivíamos no momento, mas eu sabia que algo muito bom estava para chegar. Começou com o nascimento do meu filho. E ainda falta mais, muito mais. 
Como é que eu sei?! Da mesma maneira que sabia que ia encontrar o homem da minha vida no verão de 2012. Sabia que aquele verão mudaria o meu destino para sempre... E assim foi.

Decidi tentar levantar.

Não sei como vai correr porque ainda não sei como sair daqui. A minha filha não está neste hiato mais negro da minha mente.

Estou a tentar encontrar o caminho de saída. Dessa vez não choro, não fujo, estou presente.
E é assim que quero continuar.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Hospital de Santa Maria

Hoje tive que ir ao Hospital de Sta Maria.
No ano passado fui lá muito mais vezes, mas só conheci as urgências da obstetrícia e os pisos referentes à maternidade.
Hoje, conheci um bocado mais. A minha consulta era às 10:00, e eu cheguei relativamente cedo, por isso pude admirar a imponência, apesar da necessidade de obras urgente, daquele hospital em todo seu esplendor.
Corredores longos, antigos, se aqueles corredores falassem, quantas histórias alegres e tristes no contrariam?
Uma vez li um livro de um escritor norueguês, onde duas das personagens principais se perdiam numa ilha... Uma ilha que aumentava de tamanho cada vez que eles embrenhavam-se nela.
O Sta Maria é assim.
É um hospital que não tem fim. Para todos os lados em todos os andares, vês pessoas a sair e a entrar, pessoas mais simpáticas, outras nem por isso...
Aquele edifício, aquela obra magnânima de arquitetura para a sua época...
Vai sempre ficar-me na memória.
Foi lá que tive o meu bebé arco-íris.
As enfermeiras, pelo menos a maior parte delas, não sabiam que eu tinha perdido a minha menina 15 meses antes às 40 semanas, foram sempre queridas e meigas... Podia dar-se o caso de haver alguma "comoção" por causa da minha história, mas não. Elas amam aquilo que fazem. Duas enfermeiras em particular, nas duas noites em que lá fiquei tive uma delas ao pé de mim, até que eu parasse de chorar... Porque lembrava-me da minha Leonor, e porque queria o meu marido mais próximos de nós, e porque eu ganhei uma fobia horrível de hospitais.
E a outra esteve, de madrugada, durante quase 3 horas para fazer o meu filho comer... E como tentámos, mas sem resultado, o rapaz queria era dormir.
E se as coincidências existem, estava uma mãe que também teve um rapaz e era minha companheira de quarto... E que havia perdido a sua Maria in útero. Fomos o apoio uma da outra.
Gosto daquele hospital. É esquisito uma pessoa falar que gosta de um hospital, mas eu gosto.
Apesar do medo que me assaltava, fomos muito bem tratados.
Merecia obras, volto a dizer... Para que os profissionais fantásticos que lá trabalham tivessem condições de exercer a medicina que sabem, e que tanto bom nome dão aquele edifício.

Não dormi nas duas noites em que lá estive. Primeiro, demasiada adrenalina. Depois, medo que o meu menino deixasse de respirar... Acabei por pô-lo na minha cama e fiquei a observar cada traço, a tentar encontrar parecenças... E de noite um hospital também não dorme. Eram apitos. Eram mães aflitas porque os bebés tinham cólica e elas não sabiam o que fazer. Eram as enfermeiras a pedir relatório do bebé "Comeu? Durante quanto tempo? Fez xixi? Evacuou?"
E assim estava eu perdida no meio de um hospital gigantesco, a sentir-me pequenina e a sentir o meu menino ainda mais pequenino.
É um hospital que mais parece uma casa enorme, que está sempre disposto a receber as pessoas da melhor maneira que ele sabe...

Gosto muito daquele hospital ❤️

T. 

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

883 dias...

Ontem fizeram 29 meses, ou 2 anos e 5 meses, 883 dias que a minha Leonor nasceu adormecida... Realmente, o tempo nos surpreende.  Já passou uns quantos dias desde  que ela nasceu, mas o tempo, para mim... Estes dias doem como se estivesse a passar por tudo outra vez, só que, sozinha.
As pessoas têm um certo problema com a morte ou com o luto.
Não pessoas, não é por dizerem "já passou tanto tempo, tens um menino lindo contigo". Ou essa, quando ouço esta começo logo com comichões: "Deus já te abençoou com outro bebé, se a sua filha estiver a ver vai gostar de lhe ver feliz com o irmão".
A pérolas dessas, sou obrigada a responder: "Bem, efectivamente, sou eternamente grata à Ele por me dar um menino que é a luz dos meus olhos.
No entanto, não possso dizer que não tenha uma certa... Mágoa? Tristeza? Será que culpo-O por ter permitido que a minha menina partisse?
Não sei, mas no dia em que ela faleceu, fomos internados, depois de ouvir o meu marido a chorar a contar a família mais próxima, depois de ter dado a notícia à minha mãe, que atende com a voz mais feliz do mundo porque, finalmente, lhe tinha nascido a primeira neta, e eu a dizer: "Mãe ouve-me... Maria Leonor morreu dentro da minha barriga." E ouço ela e o marido a caírem num desespero de outro mundo...
A minha sogra também nos foi ver neste dia, deixaram-na entrar, e aquele abraço... Não foi dado de sogra para nora. Era de mãe para mãe. Mãe para uma filha.
No final do dia nasceste e levaram-te logo, porque eu não te quis ver (perdoa-me meu amor, eu devia ter-te visto, sonhava contigo e depois partes e eu não capaz de dar-te um beijinho, para levares contigo, desculpa meu amor, era o que eu conseguia fazer naquela altura... Perdão Princesa Mamã).
Por tanto, pessoas, sem dúvida nenhuma que eu mudei. Perder um filho é ao contrário de tudo. É a vida apanhar-te na maior rasteira. É morrer e voltar a ressucitar sem um pedaço... Perder um filho... Não desejo nem ao meu pior inimigo.
Não vale a pena dizer "que já passou", "que vou ter outro", "que Deus sabe o que faz".
Se não souberem o que dizer, digam só "estou aqui". Isto chega e um conforto enorme.
Mas também de nós... Somos as mesmas, só com menos um braço, por exemplo.
Sim porque perder um filho é como perder um membro do corpo... Habituaste a viver sem ele, mas só nós sabemos a falta que nos faz.

Beijinho da mamã Princesa,
daqui até ao céu!...


terça-feira, 2 de agosto de 2016

As Mães do IPO

O título é copiado, faltou imaginação para criar algo, uma vez que vou escrever sobre elas.
Já estive duas vezes na minha vida para fazer voluntariado no IPO... 
Eu adoro crianças, sentia, e ainda sinto, que tenho muito para lhes dar. 
Na primeira oportunidade, os horários que eram precisos eram incompatíveis com os meus horários académicos.
Na segunda oportunidade, tinha perdido a Leonor há dois meses. Tinha amor à transbordar pelos poros, mas ninguém para o receber. Eu sei que vocês, pais e mães, quando são confrontados com esta maldita doença passam a viver em função dos vossos pequenos, muitas vezes sem tempo para irem comer, tomar banho ou dar atenção aos outros filhos que possam existir.O cancro é um bicho filho da mãe, que não satisfeito em atacar uma criança ou adulto, ataca também aos que estão a volta da pessoa enferma.
A minha ideia em ajudar era essa, tornar-me uma pessoa de confiança junto desses pais, para que eles pudessem fazer coisas corriqueiras, e estarem descansados, sabendo que havia alguém de confiança a olhar pelos seus pequeninos caso precisassem  estar ausentes.
Uma das minhas melhores amigas tem o pai com cancro. Já perdeu o avô para a mesma doença. Não é, de todo, mais fácil encarar o cancro numa pessoa adulta... Eu vi e vejo o que a minha amiga sofre.
Mas numa criança... Temos sempre a ideia deles gordinhos e saudáveis, a fazerem asneiras e a caírem, pois são crianças, e é assim que tenha ser.
Infelizmente, a realidade não é sempre essa. As crianças também ficam doentes, com doenças graves, como os adultos e às vezes... Às vezes o corpinho delas precisam descansar, porque já é demasiado sofrimento para suportar.
Após a partida dos seus filhos, quem fica? As mães (e os pais) do IPO. Que deixaram a vida tal como ela era para estarem o máximo possível presentes para os seus filhos, e de repente, eles partem... E o que nós fazemos? Por onde começamos? Lembramos da vida como ela era antes dos nossos filhos terem partido?
Eu sou uma mãe vítima da trombofilia, perdi a minha Leonor para uma doença silenciosa... E por vezes, faço a mim própria as questões que fiz acima, porquê às vezes sinto-me perdida e sem rumo.
Graças à Deus tenho agora uma "bússola" de 13 meses que dá sentido à minha vida e me faz continuar.
Voltando ao início, fiz uma pequena visita ao IPO... E, acreditem ou não, não tive pena daquelas crianças... Mas dor... Doía como se fossem meus. Doía-me ver aqueles pais com o olhar cheio de esperança e com um sorriso nos lábios, quando por dentro estavam desfeitos, mas acima de tudo, não queriam decepcionar os seus guerreiros, tudo para lhes conseguir dar toda força, carinho e amor possíveis.
Depois de perder a Leonor, como disse, pensei em voltar a tentar o voluntariado.... Mas senti-me fraca. Tive medo de atormentar mais ainda aquelas mães e as suas crianças. A minha dor é enorme, mas a dor deles... Não depende ti. Não podes simplesmente cura-los com um Ben-u-Ron, tens que aguardar... Exames, resultados, tratamentos a seguir, efeitos secundários  devido a medicação... Não suporto ver o meu filho com uma crise de dentes, se um dia fosse confrontada com uma realidade semelhante, não sei, mas acho que a minha sanidade mental estaria em jogo. Não concebo a ideia de perder outro filho, seja da maneira que for.
Somos todas mães guerreiras. Todas nós sobrevivemos ao avesso da  vida. Todas nós continuamos com as nossas vidas, até porque esta foi a única saída que os nossos filhos nos deixaram.
Eles só têm o que nós lhe damos, e eu quero, muito, que a minha Leonor seja muito feliz no sítio como anjos como ela vivem.
Mães do IPO, se eu acho que a minha dor é gigantesca, não imagino o que é receber a notícia de que mais nada há para fazer... Como deixamos morrer um filho, sem antes lutarmos? A palavra desistir não está no vocabulário das mães do IPO, aliás, não está no vocabulário de qualquer mãe.
Fazemos mais do que aquilo que alguma vez sonhamos fazer pelos nossos filhos. 
Somos movidas a amor. É aí que vamos buscar as nossas forças... É também por amor que deixamos partir a nossa obra mais perfeita, quando a dor já é demasiada... 
Que sofra eu, com a saudade, com a ausência, com a tristeza, com os dias de bipolaridades... Mas que a minha Leonor seja feliz, onde quer que ela esteja. 
Para vós, mães do IPO, o maior abraço apertado do mundo... São uma guerreiras. Somos umas guerreiras.

Beijinho da mãe, Pipocas...
Daqui até ao céu!... 🌠


domingo, 24 de julho de 2016

Não somos também nós mães guerreiras?

Hoje escrevo por mim, pela Cristina, pela Irene, pela Paula, pela Rosa, pela Celina, pela Patrícia, pela Ana, pela Sandra... E por tantas outras mães.
O que nós temos em comum? Perdemos um filho. O que nos une entre nós e nos afasta do resto da sociedade? Os nossos filhos nasceram sem vida, ou morreram logo à nascença. Não há "respeito" para esta classe de pais. Nós temos que olhar para frente e continuar a nossa vida, como se nada tivesse acontecido. Muitas de nós perdem os seus filhos dias antes da data prevista, como foi o meu caso, mas mesmo assim, para a sociedade não é nada de mais, afinal eu nem lhe tive ao colo, eu nunca a vi com vida... Porque chorar a morte de quem "não existiu"? O que todos esquecem é que ela existiu. Teve vida dentro de mim durante 40 semanas e 2 dias. Eu a pari, sozinha, sem a intervenção de ninguém. Eu ouvi o barulho surdo que o corpo dela fez ao cair na maca, porque não a seguraram no momento da expulsão. Eu andei semanas e semanas com sinais recentes de ter sido mãe, no entanto, não tinha a minha filha comigo.
Quando conto a minha história, é como se estivesse a contar a história de tantas outras mães que passaram pelo mesmo que eu.
Chamam as mães guerreiras aquelas mães que têm os seus filhos com cancro. Não imagino a dor delas. Não consigo conceber o que é quando uma equipa médica diz que não há nada a fazer pelos seus filhos... É duro, muito duro.
Mas também é duro considera-se uma armadilha para bebés. Porque eu não sei quando o meu corpo traiu a minha filha. Não sei quando o corangioma apareceu, nem como se deu a trombo vascular nem  o extenso enfarte... Aconteceu tudo dentro de mim e nunca me foi dada a oportunidade de lutar pela Leonor, nem dela própria lutar pela sua vida.
Eu voltei a engravidar, sabia mais ou menos o que combater, mas graças a tudo que passei na gravidez anterior, andei durante a maior parte tempo do com o coração nas mãos, pois nada me garantia que não pudesse acontecer outra vez. Injeções, medicamentos, repouso... Cada semana era uma vitória.
Agora, respondam-me, não sou também eu uma mãe guerreira? Também eu não fui ao inferno do que é perder um filho? A vida da minha Leonor, da Júlia, do Pipo, do Tomé, da Alice, da Clara e da Elisa, da Leonor, da Mónica, valem menos do que a vida dos outros meninos que lutam contra o cancro? Somos menos guerreiras que as outras mães?
Eu dava tudo para ter visto a minha Leonor com vida, que me tivesse sido dada a oportunidade de me despedir dela... Que ela tivesse tido direito a existir enquanto cidadã, que me tivessem dado tempo para decidir se queria de facto crema-la ou se queria pô-la ao pé dos bisavós... Não pude fazer nada disso e no entanto, estou aqui.
Não mereço ser também eu uma mãe guerreira?

Beijinho Pipocas... Daqui até ao céu!


terça-feira, 19 de julho de 2016

A Prima dos Dois Lados

O papá, tu e o mano têm uma prima dos dois lados, a prima C.
No ano em que eu e o papá começamos a namorar, ela casou-se, pelo que o papá falou um bocado dela, contou que ela era filha de um irmão da avó Noémia, o tio J., e de uma irmã do avô Augusto, a tia Maria Leonor. Sim Princesa, te chamas Maria Leonor porque o papá quis fazer uma homenagem à tia, que também é madrinha do papá, junto com o tio J.
Não consigo explicar bem o porquê, talvez por ser a prima com quem o papá tem mais afinidade, simpatizei com ela, mesmo antes de a conhecer.
No ano em que nasceste, o tio J. veio cá ( eles não vivem em Portugal) e trouxe lembranças para ti... É tudo tão lindo! Chorei tanto ao abrir cada coisa, já havias partido e era tudo tão injusto... A prima C. enviou um postal, que guardei no meu quarto, ao pé de mim, junto com os outros "tesouros" que tenho teus.
O tempo passou, a mamã engravidou do mano e, adivinha... A prima C. também estava grávida de um rapaz! 
As nossas DPP eram próximas, ela no início de Junho, a mamã no início de Julho, mas o primo G. armou-se em preguiçoso e nasceu no dia 19/06, dois dias depois dos anos da mamã. E no dia 26/06 descobrimos que o mano ia nascer no dia 29/06... A parte engraçada disto tudo está em:

- O papá e a prima C. nasceram no mesmo ano, a prima no início e o papá no final;
- Foram ambos pais de dois rapazes, que não satisfeitos em nascer no mesmo ano, decidiram nascer no mesmo mês e só com 10 dias de diferença. :P

Durante a gravidez a mamã e a prima C. trocaram algumas mensagens e depois dos rapazes nascerem também, tanto quanto o nosso tempo permitia.
Quando começamos a planear o aniversário do mano, decidimos convidar a prima C., o primo M., o primo G. e o tio J., e eles vieram :)
A mamã finalmente pode conhecer a prima C. e ela excedeu as expectativas... Mais uma vez, não consigo explicar, e sei que em uma semana conheci uma ínfima parte dela, mas sabes aquele feeling que a mamã sentiu quando conheceu o papá ou a tia Paula? Senti o mesmo em relação à prima C. Não sei como, e até posso estar errada, mas senti que ela também seria "para sempre", uma constante nas nossas vidas, não só por ser vossa prima, mas porque tinha conquistado o lugar dela na "nossa" família, tinha conquistado o lugar dela em mim. Tendo em conta a distância física que nos separa, ainda não descobri como, mas simplesmente sei que eu e a prima C. ainda vamos ser grandes amigas.
Os doutores que tratam da mamã enfatizaram ambos que, quando me sentisse preparada, eu conseguiria dar algumas coisas do teu enxoval, e que seria um grande passo de avanço no meu luto. Até aqui a ideia me parecia totalmente descabida, cheguei mesmo a dizer que tal seria impossível, talvez o dia que eu fechasse os olhos para sempre, o mano já seria crescido, e ele sim tratava do teu enxoval.
Havia uma botinha, que a mamã comprou uns dias antes de nasceres, que decidi aproveitar para o mano. Era castanha, com pelinhos por dentro, bem quentinha... Acontece que o teu irmão tem o termostato avariado como o da mamã, sente demasiado calor, mesmo no inverno... Quando as botinhas lhe servissem, mesmo que estivéssemos em Dezembro, acho pouco provável que ele deixasse aquilo estar nos pés.
Um dia antes dos primos voltarem para casa, lembrei-me das botas. E pareceu fazer todo o sentido, era muito claro para mim, aquelas botinhas deveriam ser para o primo G. Onde eles vivem faz frio que justifique algo tão quente, e o primo G., por ser filho da prima C., neto da tia Maria Leonor, é também um pedacinho de ti... Por tanto, a primeira peça do teu enxoval que a mamã conseguiu dar tinha que ser  para ele.
E sabes de uma coisa? Os doutores tinham razão. Após ter dado o par de botas, não senti que te estivesse a trair, ou que estivesse a desfazer-me das tuas coisas para esquecer de ti... Não. Acima de tudo e como tudo que te envolve, senti amor. Amei-te mais ainda, como se tal fosse possível... E senti que estavas feliz. Por mim, por ti e por nós.
Acho que a prima C. não tem a noção do quanto tudo isso foi importante para mim, ou do quanto eles se tornaram especiais para nós.
Não sei se consegues estar com a tia Maria Leonor, não faço ideia do que se passa connosco quando partimos desse mundo... Mas se conseguires, dá um beijo enorme na tia Leonor, e diz também que ela está de parabéns, tem uma família linda <3

Amo-te muito, Pipocas...

Um beijinho da mãe, daqui até ao céu!... <3

sábado, 7 de maio de 2016

Podia ser...

Chamava-se Leonor. Corria, saltava, brincava, gritava... Tinha pouco mais de dois anos.
Podia ser a minha Leonor... Mas não era.
Consegui sonhar um bocadinho... Dói. Dói a lembrança dela. Dói tudo aquilo que não vivi. Dói as saudades. Dói a ausência física.

Saudades Pipocas, sempre...

Beijinho da mãe... Daqui até ao céu! ❤

quinta-feira, 28 de abril de 2016

O Amor da minha Vida...

Descobri por esses dias o amor da minha vida...
Estava deitada na cama e umas mãos pequeninas destapam-me a barriga.
Com os seus mini dedinhos, encontra uma das 1500 estrias que tenho, e dá-me um beijinho ali (na verdade encosta a boca em nós e deixa ali um rastro de baba)...
E repetiu o mesmo gesto em outras estrias.
Eu, que não sou nada lamechas, fiquei com os olhos marejados de lágrimas... Como é que é possível amar alguém assim? Como é que é possível ele conseguir tornar algo que eu não lido lá muito bem em amor?
Olhei para ele e disse que era o amor da minha vida, ele e a mana.
Há 10 meses que vivo o maior amor do mundo...
Que não veio imediatamente, mas que só tem vindo a crescer.
Olho para ele e sorrio feito uma tonta quando descobre coisas novas...
Olho para ele a dormir e sento um amor gigante, que eu não sei de onde vem.
Sinto-me ansiosa por cada etapa que nos aguarda, apesar de achar que está a passar tudo muito rápido e ter alguma nostalgia quando olho para fotos dele ainda mais pequenino.

Hoje o Amor da Minha Vida faz 10 meses, e eu não podia estar mais feliz, e ele deu-me a conhecer o verdadeiro amor, que não cessa por uma birra ou por uma cabeçada no nariz (pergunto-me o porquê de um bebé ter uma cabeça tão rija), pelo contrário, só aumenta.

Parabéns my little man, bem vindo ao mundo dos dois dígitos 💙

terça-feira, 19 de abril de 2016

Não quero ser mais negra...

Ontem vi um programa falou sobre um assunto que me toca muito... Racismo.
Toca porque eu sou filha de pai branco e mãe negra, saí com várias características da minha família paterna, mas no que toca à cor, predominou mais a minha família materna.
Em pequena, lembro da minha avó paterna, descendente de portugueses e loira com olhos verdes lindos, dizer que eu não era negra e sim morena. E eu gostava da ideia, apesar de amar a minha mãe e uma irmã dela, não era negra como elas e sim morena.
Uma vez a minha avó levou-me a passear com ela, lá haviam outras crianças... E uma das meninas diz para a sua irmã mais nova não me dar a mão, porque eu era "preta". Aquilo doeu-me tanto... Mas por outro lado, percebi desde tenra idade o que era o racismo, e que sim, eu era negra.
A minha mãe sempre foi uma mulher bem resolvida e ensinou-me a ser bem resolvida com a minha cor também.
Venho de um país miscigenado, mas extremamente racista, nada velado... Portugal, ao seu modo, é também um país racista, mas não tão declarado.
Já passei por "boas" situações cá, como por exemplo, um professor de educação física dizer que não fazia mal a bola de voleibol estar rija e bater-me nos braços, pois com a minha cor, não se iam ver as nódoas negras.
Para mal dos meus pecados, nunca namorei com um rapaz de raça negra, não queriam saber de mim, lol...
O meu marido é loiro dos olhos verdes, branquinho, branquinho... Tive muito medo de conhecer a família dele, pois são todos branquinhos como ele, e eu, um combo, negra e brasileira... Mas graças à Deus, correu muito bem, não poderia me ter calhado sogros mais amorosos e que me recebessem tão bem desde o início...
Hoje temos um filho, que é bastante parecido com o pai, só que é mais moreno... Confesso que já pensei se ele terá vergonha de mim um dia mais tarde por eu ser negra, porque alguém lhe meta na cabeça que ser negro é mau...
Como disse acima, sou bem resolvida com a minha cor, mas espero estar também preparada para ensinar ao meu filho que ser negro, ou ter ascendência negra, não é nenhum bicho de sete cabeças... Mas ser racista sim, isso sim é feio, julgar as pessoas pelo seu tom de pele é uma das piores atitudes que um ser humano pode ter.
Voltando a reportagem de ontem, uma menina, disse que não gostava dela própria por ser negra... Tem 8 anos. E já carrega um fardo tão grande... Doeu e me vieram lágrimas aos olhos, ao pensar no que ela já teria passado para não gostar de si própria por ser negra...
Doeu também ver miúdos brancos a dizerem que não gostavam de ser negros, porque depois as pessoas já não iriam gostar deles... Qual são os valores que estes pais estão a passar para essas crianças? Que tipo de cidadãos estão a construir?
Sinceramente, tive medo do mundo que aguarda o meu filho...

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Chorar...

Estava na paragem, a olhar para o vazio, com o cérebro ligeiramente desligado.
Mais à frente, algo me chamou a atenção, uma senhora disfarçar as lágrimas... Ela não era muito mais velha que eu, mas tinha um ar cansado (mais cansado que o meu)... Ela bem tentava, mas as lágrimas teimavam em rolar e eu pus-me a pensar...
Tantas vezes estive no lugar dela. Precisava por para fora o nó no peito que me sufocava e não conseguia párar de chorar... Não sei se alguém reparou em mim, como eu reparei nesta senhora.
Tive vontade de lhe por a mão no ombro e dizer que, fosse o que fosse, no final ía ficar tudo bem. Mas confesso, tive receio. O mundo de hoje não está preparado para gestos espontâneos de carinho. Andam todos demasiado preocupados com as respectivas vidas, a lei do "o meu problema é maior do que o das outras pessoas" impera... Enfim.
Gostava de ter feito a essa senhora o que gostaria que me tivessem feito a mim, quando estive na mesma situação...

Comprar roupa...

Ontem fiz algo tão comum à tantas mães, fui comprar roupas para o meu mini gajo... Que está a deixar de ser mini a uma velocidade alucinante, tendo em conta que perdeu uns quantos pares de sapatos de uma semana para outra e algumas calças estão pela canela.
Ao ver roupas para ele, sem perceber bem como, dei por mim na zona de roupas para rapariga... E doeu.
Comecei inevitavelmente a pensar no que eu compraria para a Leonor, do alto dos seus dois anos de idade.
Por momentos "fugi" do mundo real, e permiti-me sonhar... Atrás de mim alguém diz que horas eram, e isso trouxe-me à realidade... Lembrei que tinha ido comprar roupa para o Francisco, não para ela.
Lembrei-me também das roupinhas que ficaram por usar... Por vezes vou ao quarto que seria dela ver essas roupinhas, sentir o cheiro a lavado, que ainda se mantém mesmo passados dois anos...
Tantas coisa por viver, tantos sonhos interrompidos, e o que me resta agora são lembranças... Vestidos, laços, collants cor de rosa, tapa fraldas... Tudo por usar. Tudo à espera de quem já não volta.
Lá comprei as roupas para o meu mini gajo, e vim embora com uma sensação estranha... 

Por vezes sinto-me um ET que anda por aí... Enfim.

Beijinho filhota...
Daqui até ao céu!

quarta-feira, 30 de março de 2016

Uma carta para ti, Pipocas...

Hoje fazem dois anos que nasceste, ontem fizeram dois anos que partiste.
Madrugada do dia 31 e todo o dia 1 de Abril, ironia do destino ou não, pareciam ser mentira. Não estava em mim, acho que só me dei conta do que facto havia acontecido quando foi preciso dar seguimento ao processo legal... Certidão de Depósito Fetal (odeio a burocracia, odeio não te darem o direito de existir enquanto cidadã, só porque nasceste sem vida, odeio o nome daquela porcaria de documento que tenho em casa... Mais uma vez, e como para toda a eternidade, só vais ter vida através de mim, porque o que consta na tua certidão de óbito é o meu nome...), pensar no funeral, assinar papéis (o pai não podia assinar nada, como se não fosses filha dele também), escolher a roupinha que irias levar contigo e o doudou que compramos quando soubemos que eras uma menina... Acho que só aí "caí em mim" e vi que não teria volta, era real, tinha acontecido mesmo, não era nenhuma mentira do 1 de Abril, de facto havias partido, de facto nasceste adormecida naquela terça-feira, dia 01/04/2014.
Passados dois anos, muita coisa mudou... Ensinaste-me muito, mesmo não estando cá fisicamente.
Eu mudei, não sou de longe quem eu era... Naquele dia não foste só tu a morrer, também eu morri... E renasci uma mulher completamente diferente.
Não tento explicar mais o que é a relação de uma mãe e o seu filho que partiu, não vale a pena... Parece cliché, mas só quem passa é que sabe.
Já desisti também de explicar que o facto de ser mãe Francisco não anula o facto de continuar a doer muito não poder ser tua mãe por completo.
Já desisti também de fazer compreender as pessoas que ele não será nenhum traumatizado por me  ver chorar, ou por saber que estou triste.  Como alguém que passou pele mesmo que nós um dia disse, os sentimentos de perda, frustração, tristeza e raiva são sentimentos que fazem parte da vida, e o meu papel enquanto mãe não é contornar as situações que lhe vão aparecer na vida, é justamente ensiná-lo, talvez com um exemplo prático em casa, a lidar com tudo isso da melhor maneira.
Não, e também não vou deixar que ele se sinta triste por não sentir que é o suficiente para mim... Ele é tudo o que eu tenho de melhor, é razão pela qual eu não desisto e continuo, tu e ele, cada um a sua maneira, mantiveram-me sempre com a cabeça fora d'água, a respirar.
Desisti de explicar muita coisa a muita gente, afastei-me de algumas pessoas por não compreenderem e insistirem que eu tenho que fazer à maneira como elas acham correto... Não. Eu faço à minha maneira, como eu me sentir melhor, avanço no meu processo de luto conforme aquilo que eu consigo, não conforme as pessoas querem. Eu perdi-te, só eu sei o quanto dói o sapato que calcei...
Como diz a tia A., quando ouvires essas "frases feitas", acena e sorri,  e é o que aprendi a fazer...
Os pinguins do Madagáscar e a tia A. são quem sabem-na toda.
Sim, também me tornei ligeiramente mais irritada, talvez mais agressiva... Faz parte.
Nem tudo foi bom.
Mas aprendi a dar o devido valor a quem está comigo. Aprendi a dar o devido valor as situações da vida... Ainda estou a aprender a não sofrer antecipadamente, porque a verdade é que que as coisas quando têm que acontecer, acontecem... Independentemente de começar a sofrer 6 meses antes, ou sofrer somente quando acontecer... Ainda é um "processo em construção para mim", uma meta pessoal que quero atingir.
Também quero aprender a gerir melhor as saudades, de forma que não me dilacerem o peito como nos últimos dias. A saudade não deve doer, ou antes, dói de modo saudável, não de modo que nos custa respirar e nos afastar de todos... Quero aprender isso. E vou conseguir.
Mais um ano, e a partir de hoje sinto-me como uma fénix... Continuar em frente e a aprender com a tua partida, a aproveitar o teu mano, a continuar a ser feliz... Por mim, pelo pai e pelo mano, e também por ti, minha Princesa....

Amo-te tanto Leonor...
Saudades, muitas saudades de quando éramos duas no corpo de uma... Saudades de tudo aquilo que me foi negado viver contigo...

Parabéns meu Amor , hoje o céu está em festa! Dois anos de ti, minha Princesa pequenina... ❤

Beijinho minha Pipocas... Daqui até ao céu! 🌠

terça-feira, 29 de março de 2016

A última foto...

Essa foto tem dois anos. E foi a única e a última que tirámos os três, eu, tu e o pai. 
Hoje, mais uma vez, é um dia antagónico.
O teu mano faz hoje 9 meses, e é um dia feliz...

Sou grata à Deus pela vida dele e por mo ter dado, mas sinto uma angústia tão grande, uma dor que não consigo definir, um sensação de vazio imensa... 

Deveria estar a preparar a tua festa de aniversário... Esse ano já compreenderias melhor. Imagino-te comprida, talvez mais branquinha, que o mano (as meninas saem sempre mais aos pais),  com os cabelos aos canudos... Com umas pernocas deliciosas, pois tinhas as pernas iguais as do mano...
Ía pôr-te com aqueles vestidos pirosos e com um laço no cabelo, afinal tinhas que estar linda como uma princesa, era o teu segundo aniversário...
No entanto, só tenho a imagem de ti de há dois anos atrás... Pequenina, a dormir um sono descansado, mas do qual nunca mais irias acordar...
Hoje é um dia daqueles em que acho tudo muito injusto.
Dói muito.
Sinto a tua falta.
Falta-me um pedaço.
Faltas-me tu.

Amo-te Pipocas...
Beijinho, daqui até o céu... ❤

terça-feira, 22 de março de 2016

Dias estranhos...

Sinto-me esquisita.
Parece que ando por aqui a flutuar, como se a vida que estou a viver não fosse minha...
Faltam menos de 10 dias para a minha filha fazer dois anos. Gostava de dizer isso e sentir uma alegria imensa, mas não... Faltam menos de 10 dias para fazer dois anos, também, que ela partiu, antes mesmo de nascer.
Desde essa altura entrei numa espécie de limbo... Neste mês, ainda mais.
As pessoas dizem-me para aceitar, para seguir em frente, para não me culpar... É o que eu tenho feito, ao longo dos últimos dois anos. Mas conseguem perceber que existem dias em que NÃO DÁ? Existem dias piores que os outros, onde só me apetece passar o dia na cama... No entanto, não o faço. E alguém compreende o meu esforço ou acham que não faço mais do que a minha obrigação?
Não falho com o meu filho, que é quem me dá razões para continuar todos os dias, não falho com o trabalho, e até consigo ser feliz... Mas este mês, estes dias... São aqueles em que me apetecia estar sossegada. Sem julgamentos. Sem embirrações.
Um bocado de compreensão, um abraço enquanto eu lavo a minha alma também eram bem vindos...
Tenho saudades de um final de tarde neste lugar... Dentro de Lisboa, mas com uma beleza magnífica...
Tenho saudades de quando tudo era mais fácil...

domingo, 20 de março de 2016

Dia dos Pais

Pequemos textos que eu escrevi, ao longo deste dia que é agridoce para mim...

 ❤  

"Pensam muito em nós, mães, que perderam os seus filhos... Mas esquecem-se que, na maior parte das vezes, que ao nosso lado está alguém que sofre de igual forma, que a dor da perda também lhe atinge, que também pensa no futuro que lhe foi negado, tal como a nós, mães... 
Só que são homens. E os homens não foram feitos para chorar. Os homens não foram feitos para se permitirem sentir. 
Foram feitos para pegar no leme e continuar a levar a vida. 
Foram feitos para serem a coluna de apoio de nós, as mães, e que por isso não se podem ir abaixo. 

Foram feitos para não demonstrarem o que sentem, porque assim dói menos... Ao contrário de nós, mães, que precisamos por para fora todo o vazio e desespero que nos invade depois da partida dos nossos filhos.

Por tanto meu Amor, Feliz Dia dos Pais... 
A nossa Leonor tem muito orgulho de ti, tenho a certeza <3


 ❤  
❤kjljgbkuoiÉ o teu terceiro dia Dia dos Pais, no entanto, o primeiro com um filho vivo nos braços. 
Este dia não me traz boas recordações, não por ser o dia que é, mas ontem fizeram dois anos que fui comprar a tua primeira prenda de dia dos pais, faltavam 10 dias para a Nô nascer... Ela partiu 11 dias depois, e nunca chegaste a ter a tua menina nos braços... 
Mas bem, à parte das minhas memórias, esse ano tens um filho com quem comemorar este dia. 
Um filho que te puxa a barba. 
Um filho que ouve contigo trance.

Um filho que adora que lhe inclines o carrinho. 

Um filho que adora que lhe faças cócegas na barriga e nas perninhas. Um filho que tens cuidado todos os dias para eu ir trabalhar. 
Um filho para quem tens dado o melhor de ti, mesmo que por vezes não saibas bem se é por aquele caminho que deves seguir. 
Eu, enquanto mãe, só tenho a agradecer.
A todo apoio que me tens dado, desde sempre até agora com o nascimento do Francisco. 
A paciência que tens tido (mas aqui há reciprocidade, também eu tenho tido paciência contigo 
😆
) 
Apesar de não estar tudo como eu queria, não podia ter escolhido melhor pai para os meus filhos... Não podia ter escolhido melhor exemplo de Homem para o Francisco. 
Espero que sejas um papá tal e qual a letra dessa música:


"... Menos um dente 
Joelho ralado 
E eu atrás tipo um velho 
Cuidado, cuidado, cuidado... "


Beijinho meu e um aperto de mão à macho do Francisco 
💙
Feliz Dia dos Pais 


 ❤  
I hope so...
A family of four, where three hearts beat and our pink angel watches over us there 's your special place...
A kiss and until now , my little Star 

Happy Father's Day  






💗

💙

quarta-feira, 16 de março de 2016

O nascimento dos amigos dentes

Nascer dentes é uma coisa que custa... Ao bebé, ao pai, a mãe, aos gatos... E acredito que tenha custado a uma mosca que entrou na cozinha hoje, fugiu logo a seguir porque a criancinha gritava IMENSO... E eu já nem sabia se o acalmava, se acalmava ao gato, que é muito solidário à dor da criancinha e mia extremamente alto, como se estivesse a dizer "olha ali a tua cria, está a chorar..."
Enfim... Os dentes dão cabo do juízo. Deixam as pessoas loucas.
E o que mais me irrita, é que daqui há 5 anos, mais coisa menos coisa, a porcaria dos dentes que estão a custar tanto nascer, vão cair!
Oh caramba, não poderia haver mais coerência? Doíam os definitivos e esses nasciam sem esse drama todo?!
O que me vale é o meu arsenal de mordedores e pomadas para os dentes... Entre uma coisa e outra, lá consigo acalmar o moço.

terça-feira, 15 de março de 2016

A prima Bi...

Há dois anos atrás estava preocupada em como ias reagir ao nascimento da prima Leonor...
E queria, queria muito que fossem as melhores amigas uma da outra.
Hoje, vejo que a minha preocupação era infundada, porque tenho a certeza de que a irias recebê-la como recebeste o Kiko.
E não tenho dúvidas, vão ser os melhores amigos. Vão subir às árvores, vão ajudar a avó com as ovelhas, vão andar a melgar ao teu pai enquanto ele trata de tudo e mais alguma coisa no Casal, vão chatear a avó para fazer bolinhos e encherem-se de farinha...
Obrigada por teres entrado na minha vida Bi. Obrigada por não te esqueceres da prima Leonor e ainda te lembrares que ela vive no céu, tal como a "xia" explicou-te quando perguntaste porque eu já não tinha a barriga grande ❤
Obrigada por "protegeres" o pimo Fancisquinho... Continuem assim, a embirrarem um com outro como nesta foto...
"Sai pimo... Tu não sabes pintar, és pequenino. " ❤
Espero que não sejas um rapaz muito chatinho Kiko, porque não me parece que a tua prima vá ter muita paciência para rapazes parvos... tongue emoticon

sábado, 12 de março de 2016

Para a minha irmã pequenina...

Lembro-me de seres pequena.
Lembro-me das tuas bochechas enormes... Meu Deus, eu adorava as tuas bochechas!
Lembro-me de adorar pentear o teu cabelo, apesar de em 5 minutos estar tudo desfeito, tinhas o cabelo tão fininho...
Lembro-me de uma passagem de ano, em que te assustaste com os fogos e te aninhaste no meu colo a chorar, e eu a dizer para teres calma, que já havia passado... Lembro-me da roupa que tinhas vestida neste dia, acreditas?!
Lembro-me de levar-te à escola.
Lembro-me de ajudar-te a fazer os trabalhos de casa.
Lembro-me de teres pesadelos à noite e eu acordar para acalmar-te.
Lembro-me de andares atrás de mim feito uma lapa.
Lembro-me do quanto isso me irritava.
Lembro-me da justiça com a qual a melhor madrasta do mundo sempre nos tratou, ou havia para as duas, ou não havia para nenhuma.
Lembro-me do dia em que me vim embora, vão fazer 16 anos, estava a tua mãe grávida do Yure... Ainda não sabíamos que era um menino. Lembro-me que estavas doente, com febre, de eu abraçar-te na porta de embarque do avião e pedir que tomasses bem conta do nosso irmão.
Lembro-me da falta que senti de vocês quando cá cheguei.
Lembro-me do quanto me custou não ver o Yure (e a Myllena e agora o Miquéias) crescer.
Lembro-me de ficar triste e não estar contigo na fase da adolescência... As irmãs fazem falta nesta altura.
Olho para ti agora e sinto um orgulho imenso. Pela filha, mulher, irmã, esposa e mãe que te tornaste.
Nunca pensei que a minha cabeça de vento pudesse tornar-se tão boa mãe, hehehe...
Para mim és e serás sempre a minha pequenina ❤
Obrigada pelos dois sobrinhos lindos que me deste, amo-vos muito...
Miquéias, a tia do lado de cá também está à tua espera ❤



terça-feira, 8 de março de 2016

Malaysia Airlines

Há dois anos atrás, desapareceu um avião da Malaysia Airlines... Lembro-me de estar a limpar não sei o que e ouvir a notícia.
Lembro-me de pensar que era surreal desaparecer algo tão gigantesco.
Os dias que se seguiram, foi de uma dor intensa... Apesar de estar no final da gravidez da minha Leonor, sentia-me triste... A dor, a dor nos olhos e nas expressões dos familiares, desespero, incredulidade, inércia...
No dia em que a minha Nô partiu, vi todo um programa sobre o que poderia ter acontecido ao avião... Deitei umas quantas lágrimas, ela ainda se mexia...
Ao final da noite, fui eu a ficar com o rosto transfigurado de dor, de incredulidade...
Depois do funeral da minha filha, ainda continuei a ver uma e outra notícia sobre o tal avião... E com dor, disse que ainda bem que pude dar uma despedida digna à minha filha, sei para onde ela foi e foi muito importante para mim... Saber que o corpo dela andava no hospital, para trás e para frente era aterrorizador.
E o que sentem aquelas famílias, que apenas tiveram o mar como sepultura dos seus entes queridos?
Hoje é Dia Internacional da Mulher, é verdade...
Mas não foi disso que me lembrei mal abri os olhos... Lembrei-me sim, que faziam dois anos que aquele avião desapareceu. Lembrei-me que fazem dois anos que aquelas famílias esperam por notícias. Lembrei-me que há dois anos, tal como a mim, a vida daquelas pessoas foi mudada para sempre.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Será que estou mesmo a estragar o meu filho?

Adormeceu na minha cama, mais uma vez. Porque eu quis, porque podia tê-lo posto no berço... Mas já passo boa parte do dia atarefada com tudo e mais alguma coisa, ele merece este bocadinho comigo.
Onde ele brinca com o meu fio e puxa-me os cabelos. Onde ele põe a sua mão rechonchuda no meu rosto como se estivesse a gravar cada traço.
Onde ele olha fixamente para os meus olhos enquanto eu lhe balbucio umas músicas... Gosto do Fix You, Coldplay... E ele também parece gostar.
No fundo, é mesmo muito isso:

".... Lights will guide to home
And ignite your bones
AndI will try, to fix you... "

Falam deles dormirem connosco como um bicho de 7 cabeças, que não é saudável para nós e para eles... Ele não dorme a noite toda, adormece comigo, normalmente, e depois o pai o põe no berço... Eventualmente pela manhã, regressa à base, e dorme mais um sono descansado ao pé dos papás.
Eram 05:00 da manhã quando o pai cansado da dança "põe a chucha, perde a chucha, resmunga e voltamos ao início" lhe trouxe para a nossa cama. E ele adormeceu mal deitou-se ali, até à bocado, quando o despertador gritou TRABALHO!
E o olhar para ele com um ar tão calmo e sereno, pergunto-me se de facto isso lhe fará mal. Se estou a criar uma criança insegura. Se estou a por em risco o meu relacionamento, uma vez que, tirando o facto de adormecê-lo, que faço questão que seja ao pé de mim, nós só o levamos para a nossa cama mais para que nós possamos descansar, do que propriamente por ele clamar para lá estar.
Seremos pais preguiçosos? Talvez.
Mas já perdi uma filha. Perdi todas as oportunidades de viver o que estou a viver com o Francisco com ela. Perdi porque me foi tirada, porque partiu sem que eu pudesse fazer nada.
Mas ele não. Ele está comigo e eu posso absorver cada pedacinho do crescimento, das birras, do amor gigante que se multiplica de dia para dia... E também posso pô-lo na minha cama e permitir que ele durma aconchegado ao meu peito, seguro, quentinho... Sabendo que nós, eu e o pai, estamos ali para ele. Sem culpas, só com muito, muito amor.

Amo-te muito Godinho 💙