segunda-feira, 14 de maio de 2018

Será assim tão difícil?

A ter que começar por algum lado, vou começar pela minha infância... Tinha muitos caminhos por onde ir, mas acho que essa parte da minha infância fica aqui bem. 

Bom, eu tive uma infância difícil.
Tenho plena consciência de que houveram pessoas que tiveram infâncias piores, mas a minha também não foi fácil. 

Não me lembro, nunca, de abrir a boca para me queixar na escola quando íamos lanchar e a minha mãe tinha feito uns pãozinhos para mim (porque eram mais baratos) e as minhas colegas tinham leite com chocolate e bolachas dos anúncios da televisão. 

Nunca tive problemas em usar roupas que já tinham sido de outras pessoas. Eram roupas. Tinham a importância que tinham. 
Claro que se eu pudesse queria ter o ténis da moda e as roupas mais giras, mas sabia que a minha mãe não mas podia dar, por tanto, dava-me por satisfeita por não ter que andar nua. 

A adolescência seguiu mais ou menos o mesmo caminho, até que cruzei o oceano. 
As condições melhoraram, mas ainda assim durante algum tempo usava roupas dadas por outras pessoas. 

Falo sobre isso sem problemas. Não me entristece e a história repete-se com o meu filho... Não porque não tenhamos condições de lhe comprar roupa, mas sim porque as roupas deixam de servir de maneira assustadoramente rápida a eles, e porque não passar adiante?

Tenho vários assuntos que marcaram a minha vida e que eu segui em frente. Fazem de mim quem sou hoje. Ou os medos que tenho. Ou a coragem que tenho. Sei lá. 

Mas, existe algo, algo que quase ninguém consegue compreender...

Quase ninguém consegue compreender porque não deixo a Leonor "partir". É difícil explicar... 
Teoricamente, e aqui vamos ser pragmáticos, não tive muita opção de escolha, ela partiu e eu não pude fazer nada.

Mas o que as pessoas não compreendem é porque ao fim de quatro anos, ainda insisto em falar dela. Seja que a dizer que a amo, seja a dizer que tenho saudades.
Tal como não compreendem porque digo que sou mãe de dois filhos. Ou porque comparo a gravidez e a personalidade dos meus filhos.
Contrariamente do que toda gente pensa, os bebés que morrem ainda aconchegados às suas mães já mostram características que os difere dos irmãos... 
A Leonor era irrequieta, totalmente o oposto do irmão, que era um pastelão. 
A Leonor adorava música, mais do que o irmão. A Leonor ouvia o avô a cantar o fado e desatava aos saltinhos. A Leonor, quando o pai chegava do trabalho, mal lhe ouvia a voz, começava uma festa dentro da barriga. 
O Francisco não. Sempre teve horas para se mexer. Sempre foi mais "mau feitio", não havia uma ecografia em que mostrasse o rosto de boa vontade. Não reagia ao pai, mas adorava ter a prima por perto. 
Ela partiu às 40 semanas. Ele, graças à Deus, está deitado aqui ao meu lado.

As comparações que fiz acima não eram depressivas. Estava a falar sobre os meus filhos, até onde foi possível os comparar. 

Mas depois de 4 anos, vejo que as pessoas fogem de mim... Talvez por eu lhes lembrar constantemente o seu pior pesadelo. 
Ou talvez por eu não deixar a minha filha "partir". 
Estão sempre a dizer o mesmo, "tens que deixa-la partir", mas eu não consigo alcançar o que querem dizer com isso... Ela já partiu. 
O que eu tenho são as lembranças, as poucas lembranças que construí com ela. 
São lembranças que por vezes doem... Mas não quero deixá-las partir na mesma, porque "ignorar" isso, é ignorar que ela existiu. 

Ando a sentir-me triste, e um bocado sozinha, porque ao fim de 4 anos, não me conseguem compreender... Eu não posso deixar a Leonor partir. Se eu o fizer, também eu vou partir, e tudo o que eu construí ao longo desses quase 35 anos também vão partir.

É tão difícil assim compreender que ela faz parte da minha vida, e não que fez? É tão anormal não querer que as pessoas não se esqueçam que ela existiu?
É anormal dizer que enquanto houver vida em mim, ela vive?

Porque nos querem obrigar a ignorar uma parte triste, mas maravilhosa da nossa história? 

Um filho é sempre uma bênção... Estejam eles connosco fisicamente ou não. 

Quando foi que eu me perdi?

Suponho que tenha perdido o pouco de orientação que me restava quando a Leonor morreu, mas a verdade, é que já há imensos anos que me sinto aqui a planar, como se não pertencesse a este mundo. 
As horas passam. Os dias sucedem-se. Os meses. Os anos. E eu não encontro um caminho para seguir. 

Sempre achei que ser mãe seria o clímax da minha vida, mas a verdade é que a maternidade, desde muito cedo, só me tem trazido mais dores... Talvez por não ser a altura de tudo acontecer, mas suponho que mais da metade da população não faça a sua vida milimetricamente pensada, e as coisas até correm bem.

Eu só queria normalidade na minha vida. Gostava de poder ser mãe a tempo inteiro, ter mais que um filho, três, porque não? Era trabalhoso, mas de certeza que seria recompensador.

Mas não. Perdi três filhos. Na verdade sou mãe de quatro, e só tenho um comigo. 
E ele é a bússola que me diz onde é o Norte tantas e tantas vezes... 

Mas até ele não é um trabalho fácil. Talvez por culpa minha e do pai, da genética, sei lá, do raio que os parta. 
Ele vai precisar de mais apoio que a maioria das crianças. Tenho um longo caminho a percorrer com ele e sinceramente, não me apetece. Tenho vontade de pegar nele e ir para um sítio onde não o estejam constantemente a comparar com outras crianças. Um sítio onde eu visse que ele era feliz, e não obrigado a entrar num modelo de uma criança normal... Mas afinal, que merda é essa de ser normal?!
Dói-me nunca lhe ter ouvido me chamar de mamã... Ele sabe que eu sou a mamã, ele sabe que é o centro do meu mundo, eu sei que sou o centro do mundo dele, quando estamos só nós, é tudo tão perfeito... Mas não temos um mundo só nosso. Temos que viver com os outros, e isso me tem custado, porque as pessoas não sabem o quão cruéis podem ser, mesmo que "só queiram ajudar". 

Eu queria uma vida normal. Um casamento, filhos, um cão e gatos. Ia ter problemas, eu sei que sim, mas queria uma vida normal...

Tenho um lado obscuro em mim. Está subjugado, pela criação que tive, pela educação religiosa que tive, mas o tenho visto com frequência. 
Ele mostra a outra vida que eu poderia ter, caso não tivesse feito as opções que fiz.

De tudo, e apesar de não ter os quatro comigo, só não me arrependo dos meus filhos. 

Não consigo condenar quem por vezes pega numa mochila e desaparece. 
Se eu pudesse, era o que eu faria. Eu, meu filho e o meu gato. 
Não queria ser preocupação para ninguém. 
Não queria preocupar-me com ninguém, só queria fazer o Francisco feliz, da melhor maneira que eu soubesse e pudesse... 

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

In restless dreams I walked alone...

"... Hello darkness my old friend 
I've come to talk with you again
Because a vision softly creeping

Left its seeds while I was sleeping

And the vision that was planted in my brain

Still remains within the sound of silence..." 


É sempre o mesmo pesadelo! É acordar sempre na madrugada do dia 31 e ir à procura da minha barriga, ir à procura dos movimentos dela. Naquela madrugada ela respondeu, e eu voltei a dormir... Doze horas depois, nada. Doze horas depois ela partiu.

Quase três anos e meio se passaram, e as datas... As datas! Sinto-me triste, sinto-me revoltada, estou com uma dor de cabeça que não lembra a ninguém, estou sem paciência para filho e marido, sinto-me culpada... 

Apetece-me gritar, apetece-me causar dores a mim própria, dores que doam mais do que aquilo que eu sinto! Queria estar sozinha, queria poder chorar sem me preocupar com o efeito que isso pode causar no meu filho... Sim, hoje queria ser egoísta e poder lamber as minhas feridas sem ter que pensar em ninguém, sem que estivessem constantemente a lembrar "que existem pessoas que estão piores do que eu"... Não me interessa! Hoje não me interessa! De certeza que Deus me perdoa por hoje não me apetecer amar o meu próximo, tendo em conta que nem a mim própria consigo amar.

Quero a minha filha. Devolvam-me a minha filha. Falta-me um pedaço. Falta parte de mim... Quero a minha bebé.. Devolvam-me a minha Maria Leonor. Devolvam-me o homem da minha vida que se foi com ela.
Do que eu tenho hoje só quero o meu Francisco, devolvam-me a minha família... Devolvam-me o que me foi tirado há três anos e meio atrás...




sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Spread your wings and fly, butterfly...

Ontem fui ao cantinho de uma Nô que me é muito querida.
Levei o meu filho comigo. 

Sim, venham daí esses pensamentos de que estou a obrigar ao rapaz a viver um luto que não é dele, que aquilo não são sítios para ele estar, que vai ficar traumatizado e que vive na sombra da irmã...
Quanto a mim, parece-me que estou a tentar ensiná-lo de que nem sempre corre tudo bem, de que nem sempre o mundo é como nos contos de fadas  (ou como nos PJMasks, que ele gosta mais). 
Estou a ensiná-lo que tem uma irmã mais velha que vive entre as estrelas, estou a mostrar que ele não é o único que vive essa experiência, que é algo que dói, que por vezes ele vai sim, ver a mãe a chorar, mas que é um acontecimento único, tal como tantas outras na vida, e que pode ser extremamente enriquecedor se ele souber fazer limonadas com os limões azedos que lhe vão aparecer pelo caminho.
De qualquer das formas, digo aos mais preocupados que ele não me parecia nada afectado com o ambiente à volta, antes pelo contrário, parecia que estava num jardim, corria satisfeito.

Demos com o sítio encantado da Polegarzinha de forma fácil... Ele esteve ali sentado no chão enquanto eu apanhava uma folha ou outra, só para estar ainda mais especial. 
Quando íamos dizer adeus, percebi que ele tinha umas flores pequeninas na mão, e pensei "olha, eu que nem me tinha lembrado de lhe trazer nada"... Pusemos as flores e lá foi ele a correr todo satisfeito, e mais uma vez, não me parecia nada transtornado com o que lhe rodeava. E eu sentia uma paz imensa...
Chegamos ao carro, o pus na cadeirinha, sentei-me e pus a mão para fora da janela, estava calor, e quando dou por mim... Uma borboleta. Chorei. Não foi de tristeza, estava completamente extasiada e em paz... Naquele momento criou-se uma espécie de hiato na minha mente, por segundos, só existíamos eu e aquela borboleta.. E tão linda que ela era!
Sei o que significa uma borboleta. Sei o que as borboletas significam para a mãe da Nô.
Não tive dúvidas, estava num sítio encantado.

Arrependo-me de não ter posto também a minha Nô num lugar encantado. Ao contrário do que todos pensam, ali nem sempre é um sítio de dor... De saudades eternas sim, mas nem sempre dói.
Às vezes sais dali mais leve. Às vezes sais dali em paz. Às vezes sais dali com uma borboleta nas mãos... E com a certeza de que há algo mais do que  aquilo que os nossos sentidos conseguem alcançar.

sexta-feira, 14 de julho de 2017

"... Onde esperança falta, lá me esconde Amor um mal, que mata e não se vê. Que dias há que n'alma me tem posto um não sei quê, que nasce não sei onde, vem não sei como, e dói não sei porquê..."

Há coisas... Há coisas que escondo. 

E nem sei se o esconder aqui é aplicável, pois o que eu faço é tirar certas coisas da vista, mas sei exactamente onde estão.


Morreu um menino na semana passada, com cancro... O enterro foi hoje, e foi a primeira vez que voltei a ver um caixãozinho branco, depois de, pelo menos, um ano. 
Aquela foto, da tua urna, está escondida. Sei exactamente onde ela está, mas não me atrevo a vê-la.
Pois ela consegue provocar em mim sentimentos tão diferentes uns dos outros que às vezes sinto que a única maneira de demonstrá-los é a arrebentar numa explosão de gritos, choro e risos!
Torna-te real. Estavas ali dentro. Às vezes penso, se eu tivesse ido ao teu funeral... A tua urna não ia ali, não sei se me iam conseguir separar daquele objecto, daquilo que carregou-te quando já não podias estar dentro de mim.



Não sei o que foi feito ao pouco que sobrou de ti, e isso corrói-me por dentro...
Existem tantas coisas que eu teria feito de maneira diferente se soubesse o que viria depois, Nô...
Hoje não está a ser um dia fixe... Longe, muito longe disso.



Beijinho da mãe, Pipocas...
Daqui até ao céu! ❤️

segunda-feira, 27 de março de 2017

Três



Hoje tentei desviar a minha atenção... Fiz a âncora diversas vezes e em algumas resultou, outras, nem por isso.
Para completar o cenário tive uma paragem de disgestão e só a bocado é que deixei de vomitar. 
Dói-me o corpo. Dói-me a alma. Não existe uma parte de mim que não doa. 
Tudo clama pela tua presença. Todo o meu corpo pede que seja devolvida a metade que me foi roubada.
Três anos... Como assim passaram três anos? Hoje ouvi o teu coração pela última vez. Há três anos a minha vida entrou num silêncio, onde falta o teu sorriso, o teu choro, as tuas brincadeiras, as tuas alegrias, que também seriam nossas. 
Daqui há 4 dias fazem três anos que partiste... E porque continua a doer tanto? Porque as saudades me assomam ao peito desta maneira tão avassaladora e cruel? 
Só te queria aqui. Comigo, com o mano e com o pai. 
A minha cabeça sabe que não pode ser, racionalmente, tenho tudo arrumado. 
Mas o coração não. O coração acorda todos os dias com a mesma sensação do dia 01/04/2014, quando nasceste... Todos os dias acordo a pedir a Deus que seja mentira. Que um dia voltas. Eu sei que não é, mas não sei se alguma mãe é capaz de aceitar a perda de um filho com o coração... Nós aprendemos a viver, com a saudade, com a ausência, mas aceitar... Acho que nenhuma mãe aceita. 
Hoje fazem três anos que ouvi o teu coração pela última vez.

Beijinho da mãe, Pipocas... 
Daqui até ao céu!... 🌠

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Dia Dos Amigos


Aprendi, principalmente depois da partida da Nô, do nascimento do Kiko, da depressão e da fibromialgia, que existem vários tipos de amigos... 
Existem os amigos que estão sempre lá, desde a morte da tua filha até as tuas queixas constantes em relação a dores no corpo, que te sentes uma inválida por não conseguir fazer nada. 
Existem os amigos que se mantiveram presentes nos bastidores de tudo... Talvez por não saber o que fazer ou dizer. 
Existem amigos desde o tempo do liceu, que são uma espécie de "tesouro" nosso... Tantos anos se passaram, as nossas vidas mudaram, mas quando os reencontramos, somos as mesmas miúdas que almoçavam juntas e que refilavam das próximas duas horas de Matemática que iam ter.
Existem amigos que foi a dor que nos uniu... Percebem o que sentes, os teus sentimentos mais sombrios, porque também elas passaram pelo mesmo processo de perda que tu. 
Existem os amigos dos copos, que são tão amigos quantos os outros... São os amigos da rambóia! 
Existem amigos que surgiram há pouco tempo na tua vida, mas parece que conhecemos desde sempre... Pena é haver um oceano que nos separa.
Existem os amigos da infância, que conheces há mais de 20 anos... Mas tens o mesmo oceano a vos separar. 

Depois, é saber separar a quem recorrer, consoante a situação que estamos a passar... Única e exclusivamente para não haver decepções e amizades partidas. 
Ninguém é igual. Ninguém está preparado para lidar com todas as situações que nos aparecem no caminho. Isso é também ser amigo... Dar espaço, saber o momento certo de procurar, deixar viver, deixar saber aprender... 

Dito isto, Feliz Dia Dos Amigos! ❤️